Jogo do bicho

Já fui cambista de jogo de bicho.

Dizem que não devemos ignorar ou esconder o nosso passado, acredito que devemos ser o mais honesto possível em todas as coisas, por isso escrevo esse post no blog. É isso mesmo, já fui cambista, apontador ou recolhedor de jogos de bicho; isso foi há muitos anos atrás, na década oitenta até meados de noventa. Foi um tempo difícil para mim, bicheiros são geralmente mal vistos, muita gente acha que só porque você esta na rua com um talão de jogo do bicho e uma caneta vermelha no bolso, você também esta metido em outras coisas, isso não é verdade. Me lembro que muitas vezes uma pessoa se aproximava de mim e, achando eu que a pessoa vinha fazer uma aposta, a mesma me perguntava se eu tinha drogas

(na época, maconha para vender), isso me deixava muito chateado, pois eu nunca me meti com essas porcarias. Existem muitos boatos sobre os bicheiros, de que são bandidos, traficantes e etc e tal, mas eu participei desse mundo por mais de 15 (quinze) anos e posso afirmar com conhecimento de causa que isso não é verdade; há bancas de jogos em que trabalham pai, mãe, filhos e avós, toda uma família recolhendo apostas nas ruas; são pessoas honestas e que só querem ganhar o seu sustento.

Pules de apostas de jogo do bicho.

Acho a sociedade meio hipócrita quando se trata de jogos de azar. A maioria das pessoas que conheço jogam e gostam de jogar, isso é uma coisa normal em nosso país, mas muitos dizem desconhecer ou não saber como se joga no bicho. O governo não legaliza uma modalidade de apostas que é muito antiga em nosso país, isso significa que tudo que entra neste tipo de jogo é livre de impostos tanto para a banca como para os apostadores. O jogo já bem antigo e continua resistindo a todos os outros demais jogos como, loto, megasena, loteria federal e etc. Na época em que comecei e durante todo o tempo que trabalhei no jogo as apostas eram feitas em talões (pules), nós recolhíamos os jogos até no máximo as 13:30 horas (jogo da paratodos), um recolhe (quase sempre um motoqueiro)  passava para pegar os envelopes com as pules e, lá pelas 14:30 horas, nós ligávamos para a banca para pegar o resultado, verificávamos se tinha prêmios para os nosso fregueses e carimbávamos os resultados para serem entregues aos apostadores. Os jogos eram feitos em 3 (três) vias, uma para o apostador, uma para o nosso controle e geralmente, a primeira via em cor vermelha era para a banca. Hoje estão usando maquininhas como as de cartão de crédito, as apostas são feitas e automaticamente já são enviadas para a banca, sem a necessidade de um motoqueiro ou veículo para recolher as apostas. 

Um cambista escrevendo a aposta na pule.

Quando comecei a trabalhar no jogo foi mais por necessidade mesmo e, porque na época, devido ao meu problema físico, era muito difícil arrumar um emprego. Nunca fui um apostador desse tipo de jogo. Uma amiga, que era cambista me ensinou e me deu um talão com várias apostas velhas dela para que eu estudasse, em dois dias eu aprendi e arrumei uma banca para entregar o jogo. Fiquei mais de quinze anos nessa atividade, confesso que nunca ganhei muito trabalhando no jogo, gastava demais com condução (nesse tempo não existiam ônibus com rampa de acesso para cadeirantes), lanches, na maioria das vezes ficava devendo para a banca e era um Deus nos acuda na hora de pagar os prêmios pois a banca sempre descontava o que o cambista devia. E assim foram-se 15 (quinze) anos de minha vida, fazendo apostas nas ruas, muitas tendo que aguentar os malandros e os policiais (civis) corruptos que sempre queriam que a gente pagasse um cafézinho. Mas não me arrependo não, a maioria dos apostadores eram gente boa que davam prazer para mim, trabalhadores, aposentados e donas de casa que vinham tentar a sorte, o que era bem raro, pois a probabilidade é que a banca sempre ganhe. 

TABELA (grupo e dezenas do jogo)